ESPADA E BALANÇA


É muito rica a simbologia da Justiça
Na mitologia grega, Zeus, o deus supremo, uniu-se a Thêmis, deusa da justiça, meio divina e meio humana, dos dois nascendo três filhas: Eunomía (boa lei), Díke (justiça) e Irene (paz). Tão simples e tão longe: havendo boa lei, haverá justiça; havendo justiça, haverá paz. Os deuses do Olimpo precisam continuar inspirando os habitantes deste planeta.

Veio, mais tarde, outra forte simbologia da justiça: a espada e a balança.
Rudolf von Ihering, jurista alemão (1818-1892), dá a sua interpretação transparente, magistral.

Espada e balança. Nem só a espada, nem só a balança. A espada, sozinha, seria crueldade, força bruta. A balança, sozinha, seria fragilidade, impotência. A junção e harmonia das duas constitui a essência do Direito, cujo princípio fundamental foi lançado pelo Romanos. No dizer do jurisconsulto Ulpiano (170-228), tria juris praecepta: honeste vivere, neminem laedere, unicuique suum tribuere. São três os preceitos do Direito: viver honestamente, a ninguém prejudicar, dar a cada um o que é seu.

Na busca desse ideal, caminha o Direito, no qual a espada significa a força, o poder do Estado: a norma jurídica é obrigatória, imperativa, pois o Estado lhe confere essa força de obrigar (vis obligandi).

Balança, por sua vez, é a ponderação (pondus, na língua latina, é peso). Ponderar é pesar, ouvir as partes sem ser parte, sendo imparcial; comparar, equilibrar, balancear, buscar a eqüidade, a proporção.

O que é que vai ser pesado, ponderado?
Três coisas, no iluminado ensinamento de Miguel Reale (1910-2006), na sua teoria da tridimensionalidade do Direito: o fato, o valor e a norma. O fato acontece; o valor ilumina; a norma determina. Diante de tal fato, o legislador, à luz de tais valores, edita tal norma. Estamos no cerne do Direito.

Aristóteles, no século IV antes de Cristo (384-322), já alertava para a dificuldade e conseqüente risco que existe quando se aplica uma lei geral, abstrata, a um caso concreto, específico. Aqui reside o perigo de se fazer injustiça, adverte o grande pensador, pois é impossível a lei prever todas as hipóteses possíveis.
Se o julgador se deixa levar somente pela força da espada, vai-se prender apenas ao que está escrito. Agirá como um fundamentalista, mero fazedor de subsunção (enquadramento, adaptação) do fato ocorrido à norma-padrão (tipo). Por isso se dá a essa atividade mecânica o nome de tipificação.

Muito mais do que um autômato aplicador de leis preexistentes, o julgador tem o poder de criar uma norma jurídica concreta, a partir de uma norma jurídica genérica, via interpretação. Interpretar é criar.

Vale lembrar a sabedoria bíblica: a letra mata; o espírito é que dá a vida (2 Cor., 3, 6).

Espírito é a inspiração, o sopro, a interpretação; aqui entra a balança. Não basta a letra; é preciso descortinar o espírito da lei. O que está escrito ainda não é a norma jurídica; é apenas o texto. Tal texto, para ser aplicado, passa pelo filtro da Hermenêutica, a ciência da interpretação, atividade específica do deus Hermes (Mercúrio para os Romanos), filho de Zeus, mensageiro dos deuses. Só no ato da interpretação é que nasce e se encarna a norma jurídica, antes geral e abstrata.
Evidentemente, o texto da lei é necessário; é um parâmetro, o ponto de partida, nem sempre o ponto de chegada, pois, em muitos casos, se julga além da lei (praeter legem). Direito Positivo é apenas uma parte, a ponta do iceberg. O que vem submerso é muito maior, muito mais. O Direito transcende a lei.

O texto isolado é letra morta; a interpretação dá vida e eficácia ao que está escrito, transpondo a letra fria e inerte. Interpretar é função da balança. O que aconteceu? Quem praticou o ato? Onde? Com que meios? Em que circunstâncias? Com que finalidade? Como? Quando? Para essa análise, não basta o texto legal. Por isso existe o delegado, o promotor, o advogado, o juiz etc; cada aplicador da lei com a sua função específica, todos em harmonia, em mútua complementação. Área essencialmente humana, impenetrável às acrobacias da cibernética.

No campo da música, acontece algo semelhante: uma coisa é compor o texto musical; outra coisa é interpretá-lo. A interpretação traz dinâmica, movimento; engrandece e valoriza o texto.

Como ciência social, humana, o Direito não é terra firme, estática. É um oceano, de superfície fluida, oscilante, onde as ondas nem sempre são serenas. Essa instabilidade (cada caso é um caso) é que faz a beleza do Direito. Ciências exatas é uma outra praia.

Saber harmonizar o rigor da espada e a flexibilidade da balança é sinal de sabedoria.

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